domingo, 16 de fevereiro de 2014

Por onde mudar?



Em 2009, no início de minha carreira acadêmica, tive a oportunidade de estar na audiência do seminário “Iguais na Diferença: a construção do justo na sociedade brasileira”, realizado na UFF, onde o deputado Marcelo Freixo fazia parte da mesa de debate. Num determinado momento de sua fala, quando lhe fora dada a palavra, Marcelo fez uma pergunta que me atingiu como uma onda, me dando um “caixote” daqueles que a gente levanta sem fôlego e puxando o ar.  A pergunta foi: Será que estamos preparados para ter uma polícia honesta?

Naquele momento, fiz uma profunda reflexão sobre tudo que dizia respeito a mim e a tudo que me cercava até aquele instante. Observei que, até então, tudo o que havia feito em termos políticos fora reclamar e criticar como se a culpa de tudo fosse do mundo e não minha (também). Percebi que o exercício de olhar pra dentro, antes de qualquer coisa, era sempre a melhor maneira de se chegar a alguma solução.

Quando terminei de digerir aquela pergunta e de me recuperar do choque que havia levado, comecei a perceber o quão esquizofrênico era a nossa sociedade. Para chegar a tal conclusão, peguei a pergunta feita pelo Marcelo e a estiquei para todas as problemáticas de nosso meio social. Funcionou.

Recentemente, e lamentavelmente, passamos pelo trágico episódio social envolvendo um movimento de pseudo justiceiros e um adolescente de rua de 15 anos de idade. O menor, cruelmente torturado, foi acorrentado pelo pescoço em um poste, no aterro do Flamengo, sob a acusação de ser um criminoso da região. Os perpetradores do verdadeiro crime, os pseudo justiceiros, o fizeram sob a suposta prerrogativa de estarem “fazendo justiça” com as próprias mãos, penalizando, humilhado e maltratando aquele menino que, se fez algo de errado, deveria passar pelas sanções previstas na lei – e dentro da lei –, assim como ter todo direito de defesa e condições humanas de se ressocializar. 


Diante disso, percebemos que uma sociedade que almeja uma posição naquilo que costumam convencionar "primeiro mundo", precisa alterar toda uma estrutura de mentalidade, pois vivemos na ilusão de que o desenvolvimento de um país se dá somente através de indicadores econômicos quando, na verdade, o fator econômico é somente um dos fatores que compõem uma nação plenamente desenvolvida, pois uma sociedade que se permite amarrar os seus adolescentes em postes pelo pescoço, e entende isso como uma forma de justiça, não deveria estar em outro lugar senão neste em que estamos agora, ou seja, com um sistema de saúde entregue a sorte, educação abandonada, transporte público de péssima qualidade e um sistema econômico baseado na expansão do crédito que endivida as famílias e cria-nos uma falsa sensação de pleno desenvolvimento, isso sem falar da crise generalizada que vivemos. Por isso, precisamos nos perguntar: será que estamos preparados para uma sociedade verdadeiramente justa e desenvolvida?

Precisamos refletir sobre o que queremos e o que podemos fazer para mudar. Não dá mais pra viver de preconceito cordial e lavar as mãos todas as vezes que o problema não é conosco. É muito fácil dizermos “bem feito” quando o filho é dos outros, e “coitado” quando o filho é nosso. É muito esquizofrênico uma sociedade que não respeita os outros, mas exige respeito, dignidade. E a dignidade dos outros, onde fica?  Ou nós aprendemos a viver no coletivo ou perecemos na nossa individualidade.

Um comentário:

  1. sem dúvida, meu irmão, eis a alma da questão. seja como for que se defina a estrutura da mentalidade de uma sociedade (via educação, via manipulação pela imprensa, pela expansão do crédito, ou tudo isso junto), é ela que dá condições políticas, pelo peso da opinião pública, para que se tomem determinados rumos, para o bem ou para o mal. e, com certeza, no caso dos protestos, a violência policial não cessa porque a população, no fim das contas, apoia, sim, uma polícia violenta e que mata, mesmo dentre os grupos que são mais afetados por ela. tenho a impressão de que mesmo população pobre que é vítima constante da polícia, no geral, não é contra uma polícia violenta, mas sim contra estar sofrendo injustamente tal violência. sendo com um outro, pessoal apoia. (claro que não é tão simples, há variantes, mas falando a grosso modo, é isso.)

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